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Uma luz no fim da crise

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Publicado em 02/07/2020 17:04  -  Atualizado em  03/07/2020 10:48

Os países desenvolvidos que estão mais avançados no controle da pandemia nos mostram que é possível conviver com o vírus da Covid-19 e reabrir a economia, ainda que sujeita a restrições. Isso gerou certo otimismo no mundo, ressalta a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE, da Fundação Getulio Vargas (FGV), e pesquisadora sênior da Área de Economia Aplicada da instituição. Em entrevista à Carta da Indústria, ela contextualiza a situação brasileira e pondera os riscos e as oportunidades do país nesse processo de recuperação, apesar das incertezas inerentes ao momento.

Carta da Indústria (CI): Como avalia a possibilidade de retomada da economia?
Silvia Matos: Antes de pensar na recuperação brasileira, é bom avaliar o que está acontecendo no cenário mundial para analisar se os ventos estão mais favoráveis ou desfavoráveis. Não está claro se todas as nações desenvolvidas terão a mesma velocidade de recuperação. Há heterogeneidade na forma como os países lidaram com a pandemia, logo a questão econômica também depende do combate mais ou menos efetivo. Todos estão passando por uma recessão severa, mas alguns estão em momentos mais avançados. A China, parceiro importante para o Brasil, tem se destacado, com uma recuperação em V, ou seja, cai muito mas volta rápido, tanto que temos visto resultados ainda favoráveis em relação às exportações. Claro que outros países também estão apresentando sinais mais otimistas, então parece que o pior ficou para trás, principalmente para os europeus. Não dá para ter visão totalmente otimista em relação ao mundo, porque os países emergentes, mais populosos e mais pobres, como na América Latina e na Índia, não chegaram no pico da pandemia e não se sabe quanto tempo vai levar.

CI: Qualquer avaliação depende do nível de controle da pandemia?
Silvia Matos: Enquanto não tiver clareza sobre isso, não dá para ter garantia de que a recuperação será mais rápida. Esse é um ponto importante e remete ao Brasil, porque fazemos parte de um país que ainda está lidando com a doença. A Europa já vive a reabertura da economia, sem segunda onda. Essa é uma notícia importante. A pandemia não está debelada, mas há controle, testagem e se conseguem combater os focos. Resumindo: é possível, sim, conviver com o vírus e com a economia voltando, não 100%. Isso gerou certo otimismo no mundo. As pessoas mudam o padrão de consumo, o setor de serviços ainda vem lentamente atrás, mas há alguma luz no fim do túnel.

CI: Temos essa luz no fim do túnel para países como o Brasil?
Silvia Matos: Essa é a grande pergunta. No Brasil, estamos com mais dificuldade de controlar a pandemia, por escassez de recursos e de coordenação entre todas as instâncias, e há ainda o fato de o país ser muito grande. Não é só uma questão de política pública, mas das limitações do controle em países populosos. Os países asiáticos deram exemplo, porque já estão acostumados a lidar com pandemias, como Vietnã e Tailândia, onde a população já sabe se proteger nesses casos e os países fecharam as fronteiras para evitar o contágio. É difícil convencer países que não sabiam o que iam enfrentar.

CI: Qual nosso nível de incerteza?
Silvia Matos: O primeiro ponto da incerteza é saber quando vamos reduzir a quantidade de novos casos e mortes. É o que acontece também em vários países da América Latina, como Chile e México. Isso cria alguma incerteza no horizonte. O segundo ponto diz respeito à informalidade. É mais simples desligar a economia, por exemplo, na Europa, onde todos estão cadastrados, onde as empresas receberam apoio rapidamente e há mais recursos. Mesmo governos de países sem espaço fiscal gastaram sem precedentes, e isso dá resultado, com as pessoas perdendo menos renda, o mercado de trabalho registrando menos impacto, a economia voltando, mostrando que o choque é temporário, não permanente. No Brasil, o choque vem num contexto socioeconômico muito diferente dos países desenvolvidos: informalidade elevada, escassez de dados sobre as pessoas que precisam receber recursos e dificuldade de gerar programa para pequenas empresas, que não conseguem crédito. Não é fácil fazer isso e de fato demorou muito, seja pela restrição de recursos, dificuldade de implementação e por nossas características de informalidade, que fizeram com que o choque tivesse efeitos um pouco mais longos. Dadas as nossas características, os efeitos serão mais severos, com queda na renda muito forte. O governo consegue compensar parcialmente neste segundo trimestre, e há uma política de extensão num valor menor para a população. Mas o que seria necessário de transferência de renda talvez o país não tenha condição fiscal para fazer.

"Os investidores têm liquidez e os emergentes podem se beneficiar. Isso pode alavancar setores de infraestrutura e saneamento"

CI: Quais as lições que ficam?
Silvia Matos: Muitas vezes a gente esquece a natureza das políticas. Por que a Alemanha não gasta nunca? Ela usa política fiscal só quando não há alternativa. E aí, se um país não poupou, não tem margem para isso. E o Brasil usou instrumentos fiscais há muito tempo e de alguma forma tornou esse instrumento mais restrito neste momento. O problema todo é que partimos de um nível de dívida muito alto e teremos que reverter isso no ano que vem. Se eu desligar essa política no segundo semestre, o que vai acontecer com a economia? Ela vai conseguir trilhar sozinha? Se os efeitos forem mais destrutivos, com fechamento de empresas e de empregos, a recuperação será muito mais lenta. E aí entra um dilema: se o país continuar gastando, gera um problema fiscal que pode ser mal avaliado pelo mercado; mas se não gastar um pouco, pode fazer com que a sociedade entre numa perda de qualidade de vida muito grande. É um tradeoff. A política hoje tem que tentar fazer esse pente-fino. O Brasil é punido por não começar a crise com solidez fiscal. Tentando ser realista, há um cenário de uma lenta recuperação. Não é um desastre, a gente vai se recuperar.

CI: Como ficam os desafios para a iniciativa privada?
Silvia Matos: Esse choque é diferente de uma crise financeira, que afeta a todos. Este momento afeta alguns segmentos muito fortemente, como os de bens de consumo duráveis e os bens de capital, mas setores não duráveis nem tanto: higiene, limpeza, farmacêutico, por exemplo. Serviço de informação e tecnologia também não. O padrão de consumo tem a ver também com o contexto social. Além disso, dentro dos setores, há diferenças, pois as grandes redes possuem mais capacidade de enfrentamento. É um risco para a eficiência econômica, se sairmos da crise com mais concentração. Portanto, nem todos caem e depois sobem juntos.

CI: Como avaliar onde estamos do ponto de vista histórico?
Silvia Matos: É a pior década econômica brasileira da nossa História, em termos de crescimento de PIB per capita e produtividade. Já tivemos nesta década uma recessão que foi nossa, não mundial, e agora estamos passando por outra crise. Depois de cair 6,5% este ano, o PIB não deve se recuperar totalmente. Não que seja uma recessão longa como a mais recente, que começou em 2014 e seguiu 2015/2016, mas cai bastante e volta mais lentamente. Há uma dúvida: nós temos oportunidade de acelerar o crescimento, porém não é só a questão econômica, é também o conflito social distributivo. A sociedade também demanda apoio. É um conflito muito difícil. E muitas vezes as escolhas no curto prazo amenizam o choque hoje, mas geram problemas lá na frente e diminuem o crescimento. É sempre um tradeoff.

CI: Há alguma notícia boa?
Silvia Matos: A única notícia boa é não ter subida de juros no mundo. Estamos vendo o dólar se enfraquecendo, e os investidores podem olhar para os países emergentes. Os investidores têm liquidez, os emergentes podem se beneficiar. Isso pode alavancar setores de infraestrutura e saneamento, onde temos carências. Pode ser uma oportunidade. Então podemos vir a crescer mais em 2021, mas vai depender do país. Temos que dar segurança jurídica, confiança nas regras do jogo, sem quebra de contrato. É uma situação dificílima, mas o mundo pode ser favorável em 2021. O mundo está se mostrando factível para 2021. Superimportante para a retomada da produtividade, que é o que define o crescimento no longo prazo, é ter ambiente de negócio favorável ao investimento e ao crescimento. O regime tributário também penaliza a eficiência, limita o crescimento, mas perdemos oportunidade. Como fazer isso numa recessão? Mas a gente pode melhorar o ambiente de negócios em infraestrutura e atrair os investimentos. E talvez fazer uma reforma administrativa.

CI: Qual a avaliação específica para o estado do Rio?
Silvia Matos: O Rio tem um desafio maior ainda do que o Brasil, mas eu sempre me lembro de cidades que passaram por crise intensa, como Medelín, na Colômbia, e acredito que a solução vem não só do Estado, e sim da junção de um poder público que gere confiança na sociedade. É possível dar a volta por cima.

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