Reportagem especial da revista Carta da Indústria
Como é a infraestrutura “dos sonhos” para o Rio de Janeiro? Essa pergunta pode ter várias respostas. Mas para os empresários fluminenses seria a que propiciasse uma logística multimodal. Isso porque a realidade hoje do estado precisa melhorar muito: no Ranking de Competitividade Estadual 2018, do Centro de Liderança Pública e Tendências Consultoria Integrada, o Rio ficou em 21º lugar nesse quesito.
“A infraestrutura é precária. Temos problemas em todos os modais e acredito que o principal é promover melhorias nos modelos de concessão. O governo é lento nas suas decisões e os estudos não são atrativos. Enquanto isso, os empresários e a sociedade, em geral, ficam sujeitos a essas dificuldades”, analisa Luiz Césio Caetano, presidente da Firjan Leste Fluminense. Já Antônio Vilela, presidente da Firjan Sul Fluminense, complementa: “Essa realidade afeta nossa competitividade. Quem quer instalar uma empresa onde haja deficiências logísticas?”, indaga.
Sob esse cenário, Isaque Ouverney, analista de Infraestrutura da Firjan, ressalta que estamos diante de uma oportunidade para melhorar os contratos de concessão: no âmbito federal, o governo desenvolve um plano estratégico para a relicitação das rodovias do Sudeste do Brasil, cujos contratos vencem em 2021. É o caso da Rodovia Presidente Dutra, Rodovia Rio de Janeiro-Juiz de Fora e Rodovia Santos Dumont, que praticamente se cruzam na chegada à Região Metropolitana. Prevê ainda a possibilidade de incluir nessas concessões as rodovias BR-493 (Arco Metropolitano), BR-101-Sul (Rod. Rio Santos), BR-495 (Petrópolis-Teresópolis) e BR-465 (Antiga Rod. Rio-São Paulo). Além disso, a Secretaria de Estado de Transportes do Rio de Janeiro (Setrans) realiza estudos de viabilidade de concessão de 13 rodovias estaduais, divididas em sete lotes.
“Os contratos de concessão rodoviária têm prazos elevados, de 25 a 30 anos. Por isso, é importante atuarmos agora para que as novas concessões sejam mais eficientes. Na Firjan, estamos em contato com o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), com a Empresa de Planejamento e Logística (EPL) e com o governo estadual, para apresentação das demandas, mostrando quais investimentos devem ser priorizados, tanto em qualidade das vias quanto em expansão”, pondera Ouverney.
Representantes da Firjan – entre eles, integrantes do Grupo de Trabalho de Concessões Rodoviárias do Conselho Empresarial de Infraestrutura – têm percorrido o país, levando as contribuições da iniciativa privada fluminense para melhorar a logística do estado. “Essa articulação é importante, pois mostra que os governos federal e estadual estão dispostos a ouvir as demandas dos usuários, de modo a trazer oportunidades para nosso estado e para o Brasil”, observa Mauro Viegas, presidente do Conselho de Infraestrutura.
CONTRATOS DE CONCESSÃO
Segundo Delmo Pinho, secretário de Estado de Transportes do Rio, esse grupo técnico, formado junto à Firjan, já propôs algumas ações à EPL, como a construção da nova pista da Serra das Araras e a conclusão da pista de subida da Serra de Petrópolis, assim que for definido o novo concessionário. Outro ponto levantado é o conceito de usuário pagador. De acordo com Pinho, poucos usuários pagam para usar as rodovias. Ele propõe que todos os veículos que acessarem as vias centrais arquem com o uso, de maneira a tornar a cobrança mais justa e diluída, diminuindo o valor das taxas. “Na CCR NovaDutra, somente 9% dos usuários da estrada pagam pedágio”, argumenta.
Pinho explica também que a definição das 13 rodovias fluminenses escolhidas para terem estudos de viabilidade de concessão foram pautadas pelo Plano Estratégico de Logística e Cargas do Estado do Rio de Janeiro (PELC/RJ 2045). O documento é resultado de estudos financiados pelo Banco Mundial por solicitação da Setrans. Ele possui previsão de atualização constante e sugere investimentos que contribuirão para o futuro da logística. “Nossa gestão está trabalhando junto ao governo federal para alcançar a melhor produtividade de cada módulo com o menor custo. Temos como objetivo ajudar o Rio a conquistar sua infraestrutura integrada”, reforça o secretário.
"Trabalhamos para alcançar a melhor produtividade de cada módulo. O objetivo é ajudar o Rio a conquistar sua infraestrutura integrada” - Delmo Pinho, secretário de Estado de Transportes do Rio
Alexandre Spadafora, superintendente de Relações Institucionais na CCR Lam Vias no Rio de Janeiro, cita como exemplos de boas concessões as adotadas no estado de São Paulo e em países como Chile e Espanha. “Em São Paulo, no fim de 2016, o governo estadual atualizou as regras de concessão, prevendo revisões ordinárias dos contratos a cada quatro anos, a fim de proporcionar a readequação dos planos de investimentos, dos planos de seguros, de garantias e dos indicadores de desempenho, cujo atendimento é levado em consideração na fórmula do reajuste contratual”, citou.
Já o caso chileno permite que o prazo de concessão varie conforme a realização da receita pelo concessionário, podendo aumentar, se a arrecadação e o tráfego forem abaixo do esperado, ou diminuir, caso contrário. “Por fim, o destaque da Espanha vai para a legislação, que impede que o governo assuma riscos que impliquem o aumento do déficit público e adota subsídio cruzado, no qual os trechos com tráfego suficiente para a cobrança de pedágio financiam os investimentos em rodovias secundárias, em um sistema administrado pelo mesmo concessionário”, explica.
VIA DUTRA (BR-116)
A Rodovia Presidente Dutra (BR-116) é considerada a principal rodovia do país e, aqui no Sudeste, conecta as duas maiores regiões metropolitanas da região: Rio de Janeiro e São Paulo. O trecho de 402 km é responsável pelo transporte de aproximadamente 50% do PIB brasileiro e tem cerca de 23 milhões de pessoas em 36 municípios habitando em seu entorno, de acordo com a CCR NovaDutra. No entanto, segundo Vilela, os constantes engarrafamentos e acidentes em diversos trechos são alguns dos principais gargalos do estado. “É urgente a construção de uma nova pista paralela à Dutra e a duplicação da Serra das Araras, imediatamente no primeiro ano de concessão”, defende.
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Constante nos estudos de licitação antecipada do governo federal, o trecho sul da BR-101 (da capital fluminense até Ubatuba, SP) é – na opinião de Spadafora – um trecho onde as obras de duplicação são consideradas complexas, em função das áreas montanhosas. “A opção que dá autonomia para o concessionário gerir o uso da rodovia em bases econômicas é fazer da Dutra uma rodovia de nível A, com o tráfego das cidades e de longo curso separados, e com cobrança de pedágio por km utilizado”, sugere.
BR-101 E O CONTORNO DE CAMPOS
Outro gargalo é o trecho norte da BR-101. Fernando Aguiar, presidente da Firjan Norte Fluminense, reforça a necessidade de finalização do projeto do contorno de Campos e o término da duplicação entre os quilômetros 144 e 190. “A obra do contorno é essencial para Campos, pois é preciso retirar o tráfego pesado da área urbana. Vale ressaltar que acabar com esse gargalo não é positivo apenas para a Região Norte do estado, mas para todo o Brasil”, reforça. De acordo com ele, um caminhão de cargas demora cerca de duas horas para percorrer esse trecho de 21 km, que deveria durar, no máximo, 45 minutos. “É um atraso logístico e ainda aumenta o custo”.
VIA LAGOS EM DESTAQUE
De acordo com a Confederação Nacional do Transporte (CNT), a única rodovia de excelência no estado é a Via Lagos (RJ-124), administrada pela CCR. A estrada recebe em seus 57 km uma média de 7 milhões de veículos por ano, representando o elo entre a Região Metropolitana do Rio e a Região dos Lagos. Na Pesquisa CNT de Rodovias 2018, a via conquistou status “ótimo” em todos os quesitos avaliados: estado geral, pavimento, sinalização e geometria.
“Desde que assumimos a operação dessa via, em dezembro de 1996, já investimos R$ 650 milhões em melhorias como ampliação, modernização, conservação e monitoramento – investimentos que não somente propiciaram mais segurança e conforto aos usuários, mas também impulsionaram a economia regional, principalmente os setores de turismo, serviços e mercado imobiliário”, informa Spadafora.
Por outro lado, o valor do pedágio na Via Lagos é considerado elevado, conforme sinaliza Caetano: “Como ativo, a via está em boas condições de operação. O único problema é o seu pedágio, muito alto, que acaba onerando o valor do frete”, argumenta ele, que também preside o Sindicato da Indústria da Refinação e Moagem de Sal do Estado do Rio de Janeiro (Sindsal).
ACESSO AOS PORTOS
O estado possui mais de 50 instalações portuárias. O desafio recai na melhoria dos acessos, sejam rodoviários, ferroviários ou aquaviários. Um deles é o Porto do Açu, que precisa da construção de seu acesso ferroviário na futura Ferrovia Rio-Vitória (EF-118), e de novo acesso rodoviário, a RJ-244, presente no programa de concessões de rodovias estaduais. De acordo com Eduardo Kantz, diretor de Sustentabilidade da Prumo Logística, estudos preliminares estimam que o novo trecho rodoviário tem potencial para atingir cerca de 13.600 veículos por dia, e a ferrovia cerca de 40 milhões de toneladas por ano.
“A conexão do Porto do Açu com a malha ferroviária é fundamental para a retomada dos investimentos do setor industrial no estado do Rio. O desenvolvimento da EF-118, por exemplo, criará um anel ferroviário integrando todos os estados da Região Sudeste, tornando mais eficiente a conexão do Rio com grandes centros produtores e oferecendo ainda novas alternativas para o escoamento de cargas. Além disso, a ferrovia integrará empreendimentos estruturantes do estado, como o Porto do Açu e o Comperj, que tem potencial para criação de novos polos industriais que demandarão novas cargas”, afirma Kantz. O projeto da EF-118 possui 577 km e passa por 25 municípios, sendo 15 fluminenses.
Além disso, o governo federal estuda a renovação antecipada das concessões das ferrovias MRS (Ferrovia Minas–Rio–São Paulo) e VLI/FCA (Ferrovia Centro Atlântica), que somam previsão de R$ 4,8 bilhões em investimentos no estado e potencial de atração de cargas agrícolas. É preciso também, no Porto do Rio, conquistar a autorização da navegação noturna no Canal da Cotunduba, aprofundar o Canal da Barra Grande, concluir a Av. Portuária e iniciar a duplicação da Av. Alternativa. No Porto de Itaguaí, a urgência é na adequação do Canal Derivativo. “Defendemos a expansão da malha ferroviária, integrada ao sistema portuário fluminense, o que possibilita o aumento de captação de cargas para o estado do Rio”, conclui Ouverney.
MODAL AÉREO INCIPIENTE
O Rio de Janeiro possui cinco aeroportos com transporte regular de cargas, sendo eles: Internacional Tom Jobim (Galeão); Santos Dumont; Internacional de Cabo Frio; Macaé; e Bartolomeu Lisandro (Campos dos Goytacazes). O desafio é conseguir atrair mais voos regulares, melhorando a logística para negócios e fomentando o turismo. “O Galeão, por exemplo, já recebeu investimentos para a modernização do terminal de cargas, mas opera com capacidade ociosa. Para reverter isso, é preciso melhorar a segurança e o acesso ao aeroporto”, explica Ouverney.
Na Região Sul, Antônio Vilela, presidente da Firjan Sul Fluminense, cita como gargalo a falta de um aeroporto regional que funcione. “É inadmissível termos um polo automotivo, intensa idas e vindas de executivos e mercadorias e nada poder ser feito com o modal aéreo. O Aeroporto de Resende não tem a infraestrutura necessária”, argumenta. Caetano, por sua vez, considera boa a infraestrutura do Aeroporto Internacional de Cabo Frio, embora indique a necessidade de mais frequência de voos.
Já no Norte do estado, Aguiar afirma que tanto o Aeroporto de Macaé quanto o Bartolomeu Lisandro possuem cronogramas de obra, mas ainda em fase inicial. “Macaé tem um terminal bom e uma pista pequena, enquanto em Campos é o contrário. Hoje, o Porto do Açu, a 30 km apenas de Campos, importa por Guarulhos, visto que não temos a logística necessária. Olha a oportunidade perdida”, afirma.
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