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Tecnologia vai transformar cidades, diz diretor do FabLab de Barcelona

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Publicado em 21/11/2019 14:32  -  Atualizado em  21/11/2019 18:51

Entrevista à Carta da Indústria.

A tecnologia vai transformar as cidades do futuro. Alimentos, móveis, utensílios, energia – boa parte do que consumimos será produzida por nós mesmos, em casa, graças, principalmente, à fabricação digital. A economia será regenerativa, e uma indústria, igualmente transformada, vai participar desse novo mundo. É o que prevê o urbanista Tomas Diez, venezuelano radicado em Barcelona, diretor do FabLab local, além de fundador do Laboratório de Pesquisas Fab City, do Instituto de Arquitetura Avançada da Catalunha (IAAC). Nesta entrevista, ele antecipa o debate que vai trazer para a Casa Firjan, em 07/12, na segunda edição do Festival Futuros Possíveis.

CI: Qual a relação entre fabricação digital e o futuro das cidades?

Tomas Diez: Para pensar sobre futuros possíveis em nossas cidades é preciso voltar ao passado. Durante os últimos 200 anos tem sido desenvolvido um modelo industrial globalizado que atingiu seu ponto mais alto na última década. Movimentamos matérias-primas baratas, com fontes de energia baratas, para fazer produtos de consumo graças à mão de obra igualmente barata. Há fatores trágicos nesse modelo. O primeiro deles é que, na realidade, nada disso é barato; apenas não foram contabilizadas as externalidades sociais e ambientais. O segundo fator envolve assumir que os recursos do planeta são finitos. As cidades desenvolveram suas infraestruturas em torno do movimento dos átomos: aeroportos, portos e estradas movimentam aviões, navios, automóveis, caminhões. Soa bastante lógico. Porém, esse modelo está em crise. As cidades são responsáveis pela grande quantidade de emissões de CO2 e concentram a maior parcela da população da Terra, o que continuará a aumentar. É necessário pensar em um modelo no qual os átomos deixem de viajar e os bits assumam os percursos ao redor do planeta, por meio da revolução digital.

CI: Como chegaremos ao ponto de produzir diretamente o que necessitamos?

Tomas Diez: A fabricação digital permite conectar computadores às máquinas para fazer (quase) tudo. Impressoras 3D e cortadores a laser são exemplos de processos que permitem converter bits em átomos, em minutos ou poucas horas. Com o compartilhamento de desenhos em escala global, produziremos localmente. Isso significa incrementar a resiliência das cidades e recuperar a capacidade de satisfazer localmente as necessidades das comunidades, dotando-as de tecnologia. Dentro dos perímetros urbanos poderemos produzir, por exemplo, grande quantidade de alimentos; energia, por meio de diferentes tecnologias de microgeração complementares; e aproveitar materiais hoje desperdiçados. Vamos, com isso, repensar a infraestrutura urbana necessária para dotar as cidades de capacidade produtiva, o que inclui biodigestores, biblioteca de materiais, fábricas flexíveis e FabLabs como centros de aprendizagem e prototipagem.

CI: Há riscos nesse novo cenário?

Tomas Diez: Por um lado as cidades futuras tendem a ser mais inteligentes, com muitas camadas tecnológicas de serviços ao cidadão. Por outro, é necessário repensar o modelo por trás do desenvolvimento tecnológico. A sustentabilidade social está em risco, já que a digitalização pode trazer consequências negativas para os cidadãos, a exemplo da Cambridge Analytica e do Facebook, colocando em risco os direitos fundamentais. E há risco para a estabilidade ecológica, que decorre dos recursos de que necessitamos para operar e satisfazer as demandas dos cidadãos. Por isso, o futuro das cidades passa por uma transformação profunda.

CI: Seu trabalho também fomenta as chamadas Fab Cities. Poderia explicar esse conceito?

Tomas Diez: O futuro das cidades e a fabricação digital são o ponto de partida da iniciativa, mas não é só isso. Durante mais de dez anos, a rede de FabLabs vem crescendo de maneira exponencial. Nesses espaços, além de usuários, podemos aprender a criar tecnologia. Isso nos leva a repensar como funcionam nossos sistemas de mobilidade, de filtragem de água, de produção de alimentos, entre outros. Para nós, além de muitos FabLabs pelo mundo, era importante que esses laboratórios se convertessem em agentes transformadores da realidade urbana, a partir dos mesmos princípios colaborativos e abertos de uma rede. Por isso, lançamos a iniciativa Fab City, como um chamado para que as cidades invistam na invenção local como motor acelerador da mudança. Muitas cidades vêm se somando desde 2014 para atingir os objetivos em 40 anos, ou seja, em 2054. Sabemos ser quase impossível, mas é fundamental pensar no impossível. Há que se mudar radicalmente para um modelo de consumo regenerativo. O Brasil, igualmente aos Estados Unidos, é o país que mais tem Fab Cities: Curitiba, Belo Horizonte, Sorocaba, São Paulo e Recife. O Rio é a cidade que falta e que pode inspirar mais locais e também toda a região, permitindo levar o movimento para outro nível.

CI: Como se cria um ambiente propício para atingir esses objetivos?

Tomas Diez: Nossa proposta envolve seis camadas: infraestrutura distribuída para estimular a inovação local, com FabLabs, hubs criativos e outros espaços; novas formas de aprendizagem, que fomentem a educação tecnológica; inovação aberta e incubação de projetos; estratégias urbanas, com pensamento focado em novas formas de produzir alimentos, bens etc.; plataforma para intercâmbio de conhecimento; e políticas públicas apropriadas a um novo modelo de sociedade produtiva, o que inclui marco legislativo e ordenamento urbano dinâmico. As cidades que se somam à iniciativa sabem que se convertem em agentes transformadores.

CI: Qual o papel do setor produtivo na construção da cidade do futuro?

Tomas Diez: A indústria está em um momento crítico. Temos visto as revoluções digitais nas comunicações, e a computação acabou com empresas como Kodak e Olivetti, sem mencionar os negócios de pequeno porte, que estão desaparecendo com o e-commerce. As necessidades planetárias vão exigir mais criatividade e tomada de riscos por parte do setor produtivo. Por exemplo, a indústria de carne no Brasil é enorme e forte. Porém, os padrões de consumo estão mudando; e há inovação nas formas de produzir carne, com misturas de proteína vegetal ou células cultivadas em laboratório, sem necessidade de grandes extensões de terra nem abates massivos de animais. O setor produtivo deve enxergar a economia em termos absolutos e medir seu impacto na vida das pessoas de forma holística.

CI: Poderia citar outro exemplo?

Tomas Diez: Com Ikea (marca internacional de produtos para casa) fizemos um experimento há cerca de dois anos, em Barcelona. Convidamos designers e gestores a pensarem o modelo de funcionamento da empresa em uma Fab City. A empresa hoje move átomos pelo mundo, tem armazéns fora das cidades, de onde seus produtos partem para serem entregues aos clientes. Mas, em uma Fab City, Ikea não terá armazéns e sim biblioteca de materiais e fábricas flexíveis, em um formato que caberá dentro dos bairros. O futuro cliente vai desenhar o que necessita no computador, escolhendo os materiais, e enviará o arquivo para a Ikea local produzir on-demand. Será caro ou lento? Dentro dos parâmetros de tempo e dinheiro atuais, sim. Porém, a atual organização do mundo material é inviável no futuro. Veremos desaparecer os plásticos, os metais, os materiais sintéticos, os petroquímicos. Caso contrário, desapareceremos nós.

CI: Como a indústria deve se preparar para se manter viva?

Tomas Diez: Deve se arriscar muito mais e ser capaz de investir em outro tipo de impacto que não seja somente o resultado financeiro ao final do ano. Seria repensar seu propósito e alinhar-se aos desafios ambientais e sociais dos nossos tempos. Em seguida, a indústria deve inventar novos caminhos para incentivar um crescimento econômico mais holístico, que ande de mãos dadas com a geração de valor social e com a regeneração dos ecossistemas sobre os quais opera hoje. Deve investir em tecnologia que permita migrar de uma indústria extrativa para uma regenerativa. Para isso, são necessárias colaborações com agentes múltiplos, não apenas com as universidades, mas também por meio de pontes diretas com a sociedade. Nesse aspecto, os FabLabs, como espaços culturais para uma nova tecnologia produtiva, podem ajudar muitíssimo. O Brasil dispõe de mais de 90 FabLabs, nove dos quais da Firjan, para fazer essas pontes entre indústria e sociedade, e ainda há a rede mundial de FabLabs para gerar essas conexões tão necessárias no mundo em que vivemos. A inovação não é uma opção, mas uma necessidade que nos atinge a todos.

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