As mudanças tecnológicas são, ao mesmo tempo, desafio e motor da indústria gráfica. Se por um lado há dificuldade em acompanhar a velocidade das inovações, por outro, a transformação funciona como alavanca que redefine a relação do setor, que congrega sete sindicatos e 1.200 gráficas no Rio de Janeiro, com seu público.
Essa constatação nasce da experiência quase sexagenária da Gráfica J Di Giorgio, fundada em 1969 por Jayme Di Giorgio e seus filhos. Nesta entrevista, duas gerações compartilham vivências, desafios e expectativas para o futuro. As vozes são de Carlos Augusto Di Giorgio Sobrinho, também presidente do Sindicato das Indústrias Gráficas do Município do Rio (Sigraf), e de seu filho, Vicente Di Giorgio, que veem o segmento editorial de livros como o mais resiliente diante dessa evolução e enaltecem iniciativas que promovem a discussão do futuro do setor, como o III Seminário Internacional Gráfico – Por trás de cada página, um mundo de conexões, realizado em 17 de setembro, na Casa Firjan.
O senhor pode falar sobre o atual momento do setor gráfico? Quais os principais desafios?
Carlos Di Giorgio: O desafio do setor gráfico não é de hoje: está sempre relacionado à tecnologia. Praticamente todo ano surge uma inovação. Antigamente, todas as máquinas eram mecânicas, não havia eletrônicas. Hoje as mudanças são quase diárias. Antes, para produzir um livro, as editoras não aceitavam tiragens pequenas, por conta do custo e do lucro. Hoje, é possível imprimir qualquer tiragem, até dez exemplares. Isso abriu oportunidade para autores que não conseguiam bancar grandes produções. Essa mudança foi muito positiva para as gráficas.
Atualmente, poucas empresas não contam com sistemas digitais. Aqui, trabalhamos com os dois sistemas. Isso trouxe avanços não apenas para a produção de livros, mas também para empresas que precisam de impressos promocionais em prazos curtos.
Por quê?
Carlos Di Giorgio: Se eu precisar de dez cartazes para uma feira amanhã, consigo produzir rapidamente. O setor gráfico cresceu cerca de 50% em produtividade. Para dar um exemplo: as máquinas offset, antes totalmente mecânicas, passaram por grandes transformações. Hoje é possível calibrar uma máquina de quatro cores em menos de cinco minutos, enquanto antes era necessário de 30 a 45 minutos apenas para ajustar uma máquina monocromática. Tudo era feito manualmente.
Qual a importância do III Seminário Internacional Gráfico para promover e discutir o futuro do setor?
Vicente: É imperdível. Será um dia de muito aprendizado e vai ajudar o Rio de Janeiro a reafirmar sua posição de capital cultural do estado e do Brasil.
Carlos Di Giorgio: É extremamente importante, pois mostra a força e a capacidade do mercado. O dia em que a impressão gráfica acabar será notícia de primeira página no maior jornal do mundo.
Na sua visão, de que forma o seminário pode contribuir para o debate sobre o futuro do setor gráfico?
Carlos Di Giorgio: O seminário será uma oportunidade de discutir todo o ecossistema do livro, da criação do autor até a chegada ao leitor, tendo como fio condutor a centralidade da indústria gráfica. Além das palestras com autores e editores, o evento deve trazer painéis sobre tendências globais e avanços tecnológicos que estão transformando o setor, com apresentação de dados e perspectivas de mercado. Também contribuirá ao debater as novas demandas do perfil profissional, destacando as competências e capacitações necessárias para os futuros trabalhadores, e ao mostrar como as redes sociais estão impulsionando a publicação impressa.
Qual é a importância da educação profissional para o setor gráfico e de que forma a Firjan SENAI tem contribuído com esse processo?
Carlos Di Giorgio: A educação profissional é fundamental para acompanhar a transformação da indústria gráfica. Com a automação e as novas tecnologias, a formação estruturada e contínua se tornou indispensável. A Firjan SENAI tem papel essencial nesse cenário, oferecendo cursos que capacitam profissionais para operar máquinas modernas e lidar com processos cada vez mais integrados.
Vicente: Hoje, é raro encontrar uma gráfica no estado do Rio que não tenha pelo menos um colaborador formado pela Firjan SENAI, seja em pré-impressão, impressão, acabamento ou outras funções estratégicas. Essa contribuição é decisiva para manter a competitividade do setor e valorizar a mão de obra especializada.
Além das tendências e avanços tecnológicos, o seminário também vai abordar o perfil dos novos profissionais do setor gráfico?
Vicente: Sim. O seminário vai discutir as novas demandas para o perfil profissional, destacando as competências e capacitações essenciais para quem deseja atuar nesse mercado em transformação. O perfil do trabalhador gráfico mudou bastante: antes, o foco estava em “colocar a mão na tinta”, mas hoje é preciso programar, configurar e operar máquinas automatizadas, com painéis computadorizados e sistemas integrados. Antigamente, aprendia-se muito dentro da própria empresa, mas agora a formação técnica é indispensável para acompanhar a evolução tecnológica. Além do impressor, diversas etapas do acabamento também foram impactadas pela modernização. Essa transformação aumentou a exigência de qualificação e valorizou os profissionais especializados, refletindo em melhores salários e em um setor mais competitivo.
O seminário vai discutir todo o ecossistema do livro, desde a ideação do autor até o leitor, com as presenças de autores como Itamar Vieira Júnior e Zélia Duncan. O que o público pode esperar dos encontros com esses nomes?
Carlos Di Giorgio: Será uma oportunidade única de compartilhar experiências e visões sobre o presente e o futuro da impressão de livros. O evento reúne todos os envolvidos na cadeia produtiva, com o objetivo de fortalecer o setor gráfico, gerar novas oportunidades de negócio, incentivar o surgimento de novos leitores, o propósito maior dessa indústria.
A impressão sob demanda é o tema de um dos painéis. O que você pode adiantar?
Vicente: Antigamente, para produzir um livro era necessário editar volumes grandes para justificar os custos fixos, gerando muitas matrizes, chapas e fotolitos, por conta da tecnologia predominante.
Com o advento da impressão digital, é possível alcançar a mesma qualidade em tiragens baixíssimas. Assim surgiu a impressão sob demanda (print on demand), que permite produzir pequenas quantidades conforme a necessidade do cliente.
Antes, produziam-se mil livros que acabavam encalhados nas prateleiras. Hoje, com volumes ajustados, há menos desperdício de matéria-prima. Esse modelo se consolidou no setor editorial.
A maioria desses títulos pode não ter grande valor comercial, mas carrega valor sentimental, histórico ou familiar. Há diversos casos de autores independentes que se tornaram best-sellers e continuam publicando de forma independente.
No contexto do Seminário Internacional Gráfico, que discutirá inovação e novos modelos de negócio no mercado editorial, como você avalia o papel da autopublicação na democratização do acesso ao livro?
Vicente: Temos uma unidade de negócio chamada Letras e Versos. É um hub de autopublicação que atende clientes de todo o Brasil por meio de uma plataforma de e-commerce. Hoje é possível publicar pequenas tiragens, como 10 livros, a preços acessíveis, algo inviável há 15 anos. Essa democratização permite que qualquer pessoa registre suas ideias, inclusive muitos idosos que, mesmo sem grande familiaridade com tecnologia, conseguem publicar suas histórias. A autopublicação mostra como o mercado editorial se mantém resiliente e em constante reinvenção diante das transformações tecnológicas.
Por quê?
Vicente: Comparando com jornais e revistas, vemos que esses segmentos migraram fortemente para o digital. A tiragem dos jornais caiu drasticamente, porque a notícia online é imediata e perecível. O mesmo ocorreu com materiais promocionais, que migraram para o digital por serem mais rápidos, baratos e fáceis de disseminar.
Já o livro tem o diferencial do tangível. Vejo isso na minha filha de 10 anos, que adora ir à biblioteca no recreio. O livro é resiliente: proporciona um momento de imersão, sem hiperlinks ou notificações constantes.
O Brasil já produz livros com QR Code, que levam o leitor a outros conteúdos. Acreditamos em uma sobreposição de camadas, em que mídias diferentes convivem de forma complementar. É uma lógica de cross media: o impresso conduz para o digital, e ambos se enriquecem mutuamente. Além disso, o livro impresso costuma ser percebido como mais confiável, especialmente em um cenário de proliferação de fake news.
Como você vê o mercado gráfico atualmente?
Vicente: Sempre desafiador. Estou há 25 anos no setor e a mudança é a única certeza. Mas vejo também a resiliência da indústria gráfica, sempre encontrando novos caminhos e nichos. A embalagem, por exemplo, é um segmento perene: não importa o canal de venda, sempre haverá a necessidade de embalar o produto. E todos reconhecem o valor de uma embalagem bem-feita, assim como valorizam um livro que registra uma história pessoal. Essa conexão emocional com o impresso não se perdeu, pelo contrário, acredito que até se fortaleceu. Seguimos esperançosos.