<img height="1" width="1" style="display:none;" alt="" src="https://px.ads.linkedin.com/collect/?pid=4124220&amp;fmt=gif">
Portal Sistema Firjan
menu

Notícias

Firjan

Diversidade e inclusão são o futuro da indústria

Tempo médio de leitura: ...calculando.

Publicado em 12/09/2022 10:01  -  Atualizado em  02/08/2023 10:21

Filho de holandeses, o paulistano Theo van der Loo, ex-CEO da Bayer, é atualmente consultor e presidente de uma startup. Em entrevista exclusiva à Carta da Indústria, ele fala de compliance social e da multiplicação de oportunidades para todos, sejam mulheres, negros, PcDs, LGBTQIAPN+. Após estudar na Europa e nos Estados Unidos, ele voltou ao Brasil na década de 1980. Foi trabalhar no Rio de Janeiro. Na primeira vez que passou pela Rocinha, maior comunidade da América Latina, na zona sul do Rio, sentiu o peso da desigualdade e da discriminação.  Isso fez com que se engajasse na prática efetiva da transformação dessa realidade. O empresário prega a diversidade – condição de tolerância e empatia – como força vital para as empresas se tornarem robustas. 

CI: Qual a importância das estratégias empresariais de diversidade e inclusão (D&I) para as empresas e para a sociedade?
Theo van der Loo: O Brasil jamais será uma grande nação se não houver diversidade e inclusão nas empresas. Cerca de 52 milhões de pessoas vivem em estado de pobreza e 74% são afrodescendentes. Mais da metade dessa população não está no mercado formal de trabalho. Negros consomem mais de R$ 1,5 trilhão, mas sofrem preconceito para assumirem cargos relevantes. O brasileiro é muito bom em apontar os defeitos e encontrar os culpados e entende que ele não tem nada a ver com o problema da desigualdade. Em 1988, fui trabalhar em uma empresa alemã do setor farmacêutico. Mais de 80% das vendas eram de produtos para a saúde da mulher. Toda promoção era feita por homens. Não contávamos com mulheres em marketing e vendas. Homens falando de TPM, gravidez, não fazia sentido. Fiz algo intuitivo. Discuti o tema e o gerente regional de vendas contratou a primeira mulher propagandista. A barreira se rompeu. Saí do Brasil em 1995 e voltei em 2002, pela mesma empresa. Em 2004, colocamos a primeira mulher negra na equipe de propaganda médica. Era uma promoção interna. Em 2006, fui transferido para a Espanha. Hoje, a indústria farmacêutica no Brasil conta com mais da metade de colaboradoras mulheres na área de marketing e vendas. Foi uma mudança gradual – mais de 35 anos depois, temos mais mulheres nesse setor. Em 2011, já como CEO da Bayer Brasil, comecei a me engajar na questão racial. A casa matriz lançou um programa mundial sobre gênero e LGBTQIAPN+. Na Alemanha, um grupo de profissionais já trabalhava nisso.

CI: Quais aprendizados você destacaria dessas vivências?
Theo van der Loo: Se você abre a empresa para mais diversidade, a chance de encontrar colaboradores talentosos é extraordinária. No ritmo atual, as mulheres, por exemplo, vão demorar cerca de 80 anos para estarem em pé de igualdade com relação aos homens. É repensar as regras e abordar o assunto na empresa para reforçar essa agenda, principalmente na alta liderança. Como empresário e CEO, coloco-me no lugar de escuta, de ouvir os profissionais. O código masculino que estamos acostumados não estimula isso. Ao levantar esse assunto, os colaboradores discriminados se sentem acolhidos. Aprendi que os profissionais negros, assim como as mulheres, não querem favores, mas oportunidades.

CI: Como avalia o perfil e a maturidade das empresas brasileiras nas questões de D&I?
Theo van der Loo: Multinacionais, principalmente norte-americanas, são as que trabalham melhor com D&I. As empresas globais estão se engajando cada vez mais. As que negociam ações nas bolsas de valores também aderiram pela pressão da sociedade e dos acionistas. Já as familiares que não estão listadas na bolsa se encontram atrasadas. Não perceberam o impacto que D&I pode gerar.

CI: Quais as ações você considera mais fundamentais para as empresas que estão começando a se engajar nessa agenda?
Theo van der Loo: Se 90% dos cargos mais poderosos das empresas são ocupados por homens brancos, temos de chamá-los para a conversa e fazer um reset mental. Digo isso não de forma pejorativa, os CEOs devem sair do piloto automático. Eles, sim, podem facilitar muito esse processo de mudança, que não deve ser tratado somente pelos profissionais de recursos humanos (RH). Precisamos também ter um olhar responsável entre nossos colaboradores. Nosso esforço é, ainda, perceber o capital intelectual dentro da própria empresa, que passa despercebido por causa do preconceito.

CI: Qual a sua visão em relação às questões étnicas e raciais no contexto corporativo de D&I? Quais os principais desafios e oportunidades para essa agenda?
Theo van der Loo: Os Estados Unidos estão mais à frente na agenda racial. Na Europa, empresas não sabem bem como lidar, mas já pensam sobre isso. Uma estratégia bem-sucedida de D&I é contratar fornecedores cujos colaboradores são negros, mulheres, PcDs (pessoas com deficiência), LGBTQIAPN+. Lidar com temas sensíveis também é essencial. Uma vez ouvi de um profissional negro que sentia solidão racial. Aconselho, então, que as empresas estimulem conversas entre os colaboradores. Uma empresa tem de garantir um ambiente mais aberto para tratar questões hostis. Todos os colaboradores têm sua vocação e são capazes de traduzir – no mundo do trabalho – ideias sensíveis e extraordinárias para gerar resultados positivos, independente de raça e gênero.

CI: A maioria dos profissionais negros está em função intermediária ou de base. Quais as medidas que podem ser implementadas para mudar esse cenário? Qual o papel das áreas de RH?
Theo van der Loo: Profissionais negros que já estão na empresa podem assumir cargos mais elevados. Quanto mais candidatos diversos o RH tiver disponível, mais talentos a empresa poderá promover ou contratar. Temos que parar de justificar a importância da inclusão e focar no como fazer: o que podemos aprender com as empresas que já fizeram isso? Por isso, é importante que o RH esteja empenhado, treinando gestores para a tomada de decisões acertadas.

CI: Qual a sua opinião sobre as políticas empresariais de oferta de vagas afirmativas para pessoas negras?
Theo van der Loo: O modelo padrão dos programas de trainee vai resultar na contratação de profissionais brancos. Ninguém diz que essa é a intenção, mas o resultado é esse. Quando tiramos o filtro, é possível encontrar os melhores talentos negros. Muita gente nem se inscreve nos programas de trainee pelo receio de ser excluído no final do processo de seleção.

CI: Que fatores deveriam motivar as empresas a estabelecer estratégias de D&I?
Theo van der Loo: A alta liderança tem que abrir oportunidades iguais a todos e estar comprometida, pois tudo fluirá. Devem estar atentas e se colocar no lugar de escuta.

CI: Em sua visão, além do compromisso moral, quais as vantagens para as empresas que adotam estratégias e práticas consistentes de D&I?
Theo van der Loo: A empresa mais engajada conseguirá atrair, contratar e reter melhores talentos, com impacto positivo nos resultados, nos lucros. Outro ponto importante nesse compliance moral é contratar fornecedores de minorias. Não se deixar levar pelo “cherry picking” (escolher a dedo) na diversidade, ou seja, que tipo de inclusão fazer. Já ouvi gente dizendo que só contrataria mulheres. Ou que não iria incluir os trans. Postura errada! Quer atrair os melhores talentos? Muitos candidatos jovens e talentosos escolhem as empresas que querem trabalhar. Se a empresa não for inclusiva, essa nova geração não vai se interessar. Por outro lado, é importante a empresa mostrar o que faz, apoiar eventos ligados à diversidade, fazer networking, patrocínios e criar discussões de forma contínua. Trata-se de um exercício diário para manter essa chama acesa. Profissionais de RH, supervisores, coordenadores, enfim, toda a equipe deve estar dedicada à questão da diversidade.

CI: Alguma coisa a mais que você gostaria de comentar?
Theo van der Loo: Sim. Um dos motivos que decidi participar desta entrevista é porque quero que outros CEOs se sensibilizem com a questão da D&I e redução da desigualdade, que tenham a mesma experiência que tive. Muitas vezes usamos a razão para justificar o que não é justo ou para manter o status quo. É preciso tocar mentes e corações. Conheci muita gente nova, pessoas que se tornaram meus amigos. Minha jornada da D&I me tornou uma pessoa melhor. Vi que existem pessoas talentosas, de origens diferentes, em todos os lugares. Por isso mesmo, precisamos de todos os brasileiros trabalhando nessa questão para sermos um país mais competitivo.

Leia mais reportagens especiais da Carta da Indústria.

 
Para Empresas
Competitividade Empresarial Educação Qualidade de Vida